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quarta-feira, 12 de abril de 2017

A Água

A primeira vez que a notei, ela estava aos meus pés.
Eu a chutava e brincava com ela - não parecia sério, e nem era.
Ela refrescava-me em dias quentes.
Mas, à noite, fazia tudo ficar mais frio.
Porém, são só nos pés, eu dizia.
O incômodo era pouco.
Suportável.
Dali a pouco, ela secava. Tornava-se uma poça rasa.
Evaporava.
Voltava.
Sempre no mesmo ponto.
Sempre do mesmo jeito.

A segunda vez que a notei, ela estava em meus joelhos.
Eu tremia de frio à noite.
Não conseguia mais dormir.
O incômodo aumentou.
Mas, ainda não havia atingido minhas roupas.
O dano não passava de algo passageiro.
Ela havia de secar.
Diminuía, porém, não mais secava.
Permanecia.
Insistia.
Lembrava-me que estava ali.
Era impossível esquecer.
Era impossível deixar para lá.

A terceira vez, ela já estava em meu pescoço.
Em suas ondas, algumas gotas entravam em minha boca.
Sufocavam-me.
Deixavam-me sem ar.
Não conseguia mais respirar.
Não havia mais como tentar.
Assustei-me.
Chorei.
Não adiantou.
Piorou.
As ondas tornavam-se mais fortes e passei a temê-las cada vez mais.
Não havia mais contra o que lutar.

Levou semanas e eu estava submersa.
Para alguém que não sabia nadar, cheguei muito longe.
Ainda não sei nadar e afogo-me.
Procuro saídas.
Encontrei algumas.
Maneiras,
Modos,
Jeitos
De fugir.
Mas, ela volta.
Mostra todo seu poder.
Que eu não queria que tivesse.
Ao qual eu não queria me render.
A água afoga-me e deixa-me ali.
Ardendo na agonia de não conseguir respirar
E muito menos morrer