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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

A dita paz

O sol que entrava na pequena fresta da janela.
O barulho do gotejar da torneira meio aberta.
A sala vazia que insistia em me lembrar
da partida
da tua ida
do fim de qualquer coisa ocorrida.
O fato que nos trouxe este fardo.
A situação que nos impôs esse cargo
que não aceitamos
para o qual nem sequer fomos treinados
Tu não tinhas maturidade
eu não tinha mentalidade
nem sabia quem eu era
só sabia que a ti era ligada
Por sangue, sobrenome
A ti estava atrelada
e continuo
nesse mundo em que tu sempre volta
por mais que eu queira que tu vá
Tu fez tua escolha
e quem sou eu para te mudar?
Se nem Deus quis tentar
quem sou eu para lhe falar?
Que o que fazes é errado
que consumiu o seu pecado
e que a culpa é toda tua
por sempre falhar
sem ao menos tentar.
A dor não me afeta mais.
Se quiseres viver com tais
falsidades
pseudo felicidades,
Vai-te, deixe-me em paz
e deixe-me para trás
como tu sempre faz

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Mais tempo

Era setembro. Feriado. Minha vida acontecia normalmente, enquanto a sua se esvaía por completo. Lembro-me do telefonema. De observar os choros ao meu redor e não entender nada.
Mesmo assim, sentia o olhar de pena das pessoas sob mim.
E eu não queria pena.
Queria tempo.
Queria muito mais tempo do que aqueles curtos seis anos que me foram concedidos.
Queria mais tempo para observar-te dormindo no sofá daquele quarto após o almoço. Mais tempo para buscarmos um refrigerante para o café da tarde em uma padaria qualquer. Mais tempo para me esconder no seu guarda-roupa. Mais tempo conversando contigo. Mais tempo para ouvir suas piadas - e mais maturidade para apreciá-las.
Sou egoísta quando desejo que o tempo volte para que eu possa aproveitar da maneira correta aqueles anos.
Entretanto, o tempo não liga para minha presunção. E no lugar desse sentimento, vem-se uma dor que assola meu peito como nenhuma outra dor fez ou fará.
Lembro-me da viagem até o momento que seria o último e que pareceu durar um ano - e poderia realmente, com a incrível quantidade de desventuras ocorridas. Cheguei de madrugada e tu estava-me esperando como sempre fazia. Como fez quando nasci, como fez durante todos aqueles seis anos.
Porém, sem qualquer resquício de vitalidade em ti. A dor se intensificou. As lágrimas escaparam sem que eu ao menos percebesse. E pela primeira vez, senti verdadeiramente sua falta. Como sinto diariamente desde aquele fatídico dia.
Queria mais tempo para criar novas memórias. Mas, como sei que aquelas foram mais do que suficientes.
Porque tu és e sempre foi um presente imenso na vida de todos à sua volta.
Agora, quando a dor me aperta, lembro e agradeço o quão sortuda fui por tê-lo em minha vida. Por apenas seis anos, que me fizeram imensamente mais feliz do que aqueles que nem sabem teu nome.
Carrego o orgulho de levá-lo em minha história e em pequenas partes de mim - minhas orelhas, meu sangue, meu sobrenome.
Como continuo humana, ainda desejo aquele tempo de volta, mas desejo mais ainda que enquanto me observas, de onde quer que esteja, sinta orgulho de mim, como o sinto de ti.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

O céu está chorando

Estava caindo um temporal. E mesmo assim, ela estava lá fora, na chuva, parecendo que queria absorver cada gota que caía do céu.
"Saia daí! Você vai ficar doente!" gritei. Mas pareceu que ela não tinha me ouvido.
"Venha pra dentro!" gritei mais uma vez. Então, ela se sentou no chão.
O que ela estava fazendo? Ela não sabia que poderia ficar realmente doente se continuasse ali? 
Saí correndo e parei na frente dela. Seu olhar não se ergueu para me olhar, pelo contrário, ela continuou a olhar para frente, como se eu não estivesse ali, como se pudesse olhar através de mim. 
"Não é engraçado?" ela falou "Como as gotas da chuva parecem lágrimas?".
Não sabia o que responder. Abaixei e fiquei bem na frente dela. E ela estava sorrindo. E chorando. Apesar da chuva dava para ver que eram lágrimas.
"Sim, é" eu falei.
"Quando eu era criança, sempre que chovia, minha mãe me falava que o céu estava chorando. Que a saudade de todos de lá tinha transbordado" ela sorriu um pouco mais "E agora, mais do que nunca, eu acredito nisso".
Ela riu, se levantou e me puxou. Levantei e continuei olhando para ela. "Vamos", ela disse, "você vai ficar doente" e riu mais uma vez.
Ela saiu andando na minha frente e eu fiquei onde estava. Ela nunca havia me contado nada do passado, essa tinha sido a primeira vez. E eu pude sentir a tristeza dela e toda a dor dela saindo através daquelas lágrimas, daquelas palavras. E mesmo assim, ela riu.
Saí andando atrás dela para me proteger da chuva e a partir daquele dia, eu tenho certeza de que a chuva é o choro dos céus e que aquela menina já chorou muito com eles.